Notícias | 'Árvore não é problema, é solução': Especialista comenta causas e soluções para quedas em centros urbanos

'Árvore não é problema, é solução': Especialista comenta causas e soluções para quedas em centros urbanos

Em entrevista ao SINTPq, o biólogo e pesquisador do IPT, Sérgio Brazolin destacou que o manejo das árvores requer planejamento e responsabilidade coletiva

27/11/2023

Durante o mês de novembro, diferentes cidades do Estado de São Paulo foram impactadas por tempestades intensas, que resultaram em danos significativos. As chuvas provocaram estragos e quedas de árvores, comprometendo a fiação elétrica e deixando milhares de pessoas sem energia. Nesse momento, empresas privatizadas como a Enel se mostraram incapazes de solucionar e, mais do que isso, prevenir esse problema adequadamente. Ao mesmo tempo, o poder público também tem deixado a desejar no manejo dessa questão ambiental e social.

Buscando compreender o que está por trás de situações como essa e como evitá-las, o SINTPq conduziu uma entrevista com o biólogo Sérgio Brazolin, pesquisador no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Com mestrado em Ciência e Tecnologia de Madeiras e doutorado em Recursos Florestais, Sérgio oferece uma perspectiva abrangente que aborda os principais fatores por trás das quedas, que envolvem desde a gestão da Prefeitura de São Paulo até as empresas de energia e o cidadão comum. Confira os detalhes na entrevista a seguir. 

Mais de 100 mil pessoas ficaram sem energia em São Paulo devido ao temporal ocorrido no início de novembro. Segundo os governantes, as árvores são quase sempre as culpadas pela queda de energia. Esse pensamento é correto? Quais são as verdadeiras responsabilidades em casos como esse?

Não podemos jogar a culpa nesse ser vivo, pois ele é necessário para a cidade, porque presta serviços ambientais. Alguns desses benefícios incluem a regulação do conforto térmico, a umidificação do ar e a remoção de poluentes da atmosfera. Academicamente, está estabelecida a correlação entre áreas arborizadas e cidades com menor incidência de problemas de saúde, como cardiopatias e distúrbios respiratórios.

Precisamos de mais árvores e demonizar as árvores não é correto. Eu acho que o verdadeiro culpado é o homem, que  plantou essas árvores que caíram, velhinhas de 80, 60, 70 anos, e não plantou adequadamente. Não fez o manejo, e não planejou a arborização. O principal problema é a questão da falta de planejamento. 

No caso de queda de árvores, dentro de um plano estratégico para a cidade, que é o plano diretor, é estabelecido que as cidades devem possuir um plano eficaz de arborização urbana. Esse plano inclui a implementação do manejo preventivo das árvores. O cuidado com as árvores acontece o ano inteiro, mas você tem que criar disso uma sistemática. 

Uma gestão pública envolvendo não só a prefeitura, esse é o problema lógico. O cuidado precisa vir de todo mundo que lida com árvores, tanto a prefeitura, quanto a concessionária de energia elétrica, que tem autorização para mexer em árvores que estão embaixo da rede elétrica. Assim como as empresas que prestam esse serviço, e o contribuinte, porque ele também pode causar danos às árvores, se for plantada errada sem que exista orientação certa para isso. 

Conhecimento e tecnologia existem para avaliar as árvores. É difícil prever se uma árvore vai cair ou não. Então, quem trabalha na avaliação de árvores, tem que ser treinado e tem que ser cuidadoso na sua avaliação, no que tange a buscar evidências objetivas de risco. 

Então, eu acho que a responsabilidade é de todos, mas precisa dessa organização, sentar à mesa e encarar realmente que as árvores são uma necessidade e encarar o que são as mudanças climáticas. 

Atuação de especialistas do IPT estabelece critérios para tomada de decisão em diferentes níveis de alerta (FOTO: IPT)

Quais são os principais fatores que contribuem para a queda de árvores em áreas urbanas? É possível prevenir essas quedas e seus consequentes transtornos?

Bom, eu já citei um que é falta de planejamento, mas a gente vai esmiuçar um pouquinho agora. O principal fator é o vento. O vento vai atuar sobre a árvore e vai tombar ela. E esses ventos fortes acontecem em eventos climáticos extremos, e estamos percebendo que eles são mais frequentes e mais intensos. Para chuva, o índice pro biométrico é muito bem medido. Mas para vento, quase falta essas informações. 

As árvores caem porque tem as velhinhas, que estão com alguma doença ou algum defeito, como uma cavidade na base, apodrecimento, ataque de cupim, se estiver muito inclinada, se fizeram uma poda errada, o centro de gravidade deslocado... Então, o técnico tem que olhar esses defeitos, para tomar uma decisão. Lembrando, não é porque uma árvore é grande que ela tem que ser removida. Tem que ter defeitos evidentes.

Elas quebram porque quando o vento bate vai romper o elo mais fraco, no local onde ela está com problema. Essas árvores estão fragilizadas, o que está pra cima da raiz, a gente consegue ver. Existe conhecimento e tecnologia, como equipamentos para ver dentro da árvore. E essas árvores precisam passar por uma inspeção, seja pela prefeitura, seja pela companhia elétrica... Apesar que a companhia elétrica só pede para remover, porque quando ela está em estado grave o seu papel é livrar a fiação elétrica. Quem cuida mesmo da decisão de remover é a prefeitura, ou as empresas que prestam serviço à prefeitura, que atuam nas árvores que não estão debaixo de fiação elétrica. Existe uma parceria muito forte de fazer junto esse trabalho.

Nesses dias caiu um monte de árvores, sendo que muitas delas estavam totalmente sadias. Aí nós temos duas situações. A árvore sadia também cai. Nós estamos falando de uma estrutura que está sujeita ao vento, então tem sempre risco. Primeiro, pode ser uma situação de que ela foi plantada num canteirinho ruim, sem critérios, sem padrão, até pelo contribuinte, às vezes, até pela prefeitura no passado.

A tecnologia desenvolvida não é facilmente disponível, é caro. Geralmente, se usa o radar para um exemplar raro, ou para uma árvore simbólica, não se usa o tempo todo. E a segunda situação, quando a árvore é arrancada, é que a gente tem que voltar à questão climática. Os ventos muito fortes estão cada vez mais frequentes.

Considerando que a privatização da Enel foi aprovada em 2018, como o senhor avalia o desempenho da empresa em relação à segurança das árvores e nas questões correlatas? O que é responsabilidade das empresas do setor e o que é responsabilidade dos governantes?

Eu não tenho dados para saber como é o desempenho da Enel no trato das árvores. Eu adoraria muito como pesquisador poder ter sido contratado, para avaliar por que essas árvores caíram. Isso dá uma ideia para a gente do que realmente aconteceu. Se foi a situação de árvores fragilizadas, ocas, ou galhos podes, etc., que estavam na cidade e não foram removidos. Ou se foi a situação de vento extremamente forte, de rajada, que foi mais de 100 km/h, que arrancou a árvore e não temos como prever. 

Eu não sei dizer como é o trabalho da Enel, se ela está sendo eficaz ou não. A responsabilidade, como falei, é de todos. Existe, por exemplo, árvores embaixo da fiação elétrica, e isso só um eletricista pode fazer o manejo, porque ele tem curso e equipamento para de segurança. A prefeitura também pode atuar, desde que a companhia de energia desligue a rede. Existe todo um processo de solicitação, não é tão fácil. 

Basicamente, embaixo da rede, a responsabilidade da poda das árvores para aliviar a fiação é da concessionária. Mas as outras árvores, inclusive essas que estão embaixo da rede, em relação à queda da árvore, são da prefeitura. É ela que bate um martelo de remoção de árvore. Ninguém pode ficar tirando a árvore porque quer. 

Mesmo a Enel deve pedir autorização para supressão quando ele vê que é necessária a supressão. Até o contribuinte faz besteira quando poda inadequadamente. De certa maneira, todos são responsáveis. Diretamente, a prefeitura e a Enel são as que cuidam da arborização. 

As empresas também podem ser contratadas, geralmente esses serviços são terceirizados pela prefeitura e pela Enel. Acho que a Enel é terceirizada também. Essas empresas também são corresponsáveis se fizerem um mau trabalho. Tem que ter uma fiscalização de quem contratou, acho que essas são as responsabilidades. Agora, como a Enel está trabalhando, ou qualquer outra empresa, eu não sei te dizer. 

Um exemplo de boas práticas em arborização urbana é o Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) de queda de árvores de Santos (FOTO: IPT)

Levando em consideração a necessidade de um plano para prevenir as quedas, a Enel deve ser responsabilizada pelos prejuízos causados à população durante o apagão?

Em relação a responsabilizar a Enel sobre essas quedas e o apagão, eu não sei te dizer juridicamente, se tem jurisprudência, e até que pontos são feitos esses contratos entre Prefeitura e a Enel. O que eu posso dizer, tecnicamente, ela é responsável porque ela atua sobre as árvores, em qualquer planejamento, seja no plano diretor de arborização urbana, seja no programa de manejo preventivo das árvores, seja no plano preventivo de defesa civil, ela tem que participar de forma a construir um plano desse, e achar soluções.

Algumas soluções também partem da concessionária em relação à tecnologia. Muito se falou de redes subterrâneas, mas é óbvio, uma rede subterrânea se bem feita. Mas isso são outras tecnologias, como por exemplo o cabo isolado, que é um cabo único que a árvore pode encostar e você interfere menos na árvore, não precisa fazer tantas podas, etc. Esse é o futuro que a gente tem que discutir.

Na cidade, se tirarem árvores antigas de 80 anos, por exemplo, não se pode plantar, e são as  árvores grandes, que trazem benefícios. Não tem como arbustizar a cidade com um arbustinho e árvores pequenas, é preciso sombra, serviços ambientais, que são árvores grandes e de médio porte. Então precisa achar espaço, fazer áreas verdes onde é uma vaga de carro, criar um espaço verde para plantar uma árvore fora da fiação.

Costumo falar que a árvore certa é um lugar certo.  Para plantar árvore, eu olho para baixo, não para cima. Se tem rede lá, existem técnicas de conduzir a árvore para passar em cima da fiação, que passam pela escolha da espécie. Esse planejamento vai mais longe do que apenas dizer "vou plantar árvores", é preciso analisar onde plantar, como cuidar, se ela irá passar acima da fiação ou não, que espécies são essas que serão usadas, se vão resistir a essas mudanças climáticas. 

Talvez a gente comece a ver árvores morrendo de pragas por causa da questão das mudanças climáticas, que vai favorecer algumas coisas que nós não tínhamos na cidade em relação a pragas. É uma suposição, um cenário que o gestor público e a comunidade acadêmica tem que pensar sobre.

Agora, juridicamente, se deve responder ou não, eu não sei te dizer até que ponto vai a responsabilidade deles para assumir essas questões na justiça.

A falta de investimento em um plano de ação eficiente, ou até mesmo em podas de árvores e estudos preventivos, mostra que o que está acontecendo em São Paulo nos últimos dias é um alerta sobre os resultados das privatizações dos serviços básicos?

Em relação à privatização, se vai melhorar ou piorar, não sei te dizer. Precisaria entender e vivenciar melhor alguma coisa, mas o que eu acho é que se você diminui pessoas, serviços, fiscalização, isso é muito ruim. Não sei como é que vai funcionar, ou se está funcionando isso. Não tenho parâmetros para dizer se vai piorar ou não. 

Mas a agência reguladora ANEEL tem seus critérios de avaliar isso. E as concessionárias têm que responder à ANEEL por todos esses danos causados. Se existe uma agência reguladora, tem que todo mundo trabalhar. Tem que envolver a esfera federal nessa questão da energia elétrica, porque ela vai ditar essa questão das tecnologias, etc. 

Existe um compromisso de sustentabilidade que todos esses níveis federal, estadual, municipal, até o contribuinte, tem que ser sério. A árvore não é que nem lixo, não é resíduo, não é problema. Árvore é solução.