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Comunicação: uma semana, duas derrotas da desregulamentação

25/08/2011

Fonte: CUT

Beto Almeida denuncia projeto que flexibiliza a veiculação da Voz do Brasil e que transfere oligopólio da TV paga ao controle estrangeiro

Escrito por: Beto Almeida/Carta Maior

 

Na Câmara, foi aprovado o projeto que flexibiliza a veiculação da Voz do Brasil. No Senado, aprovou-se o projeto que transfere o oligopólio da TV paga no Brasil, até agora sob domínio de grupos nacionais, para o controle do capital estrangeiro que domina as empresas de telecomunicações. Ambos com aplausos da esquerda! Artigo do jornalista Beto Almeida, membro da Junta Diretiva da Telesul.

 

Comunicação: uma semana, duas derrotas da desregulamentação

Na semana passada, a luta pela regulamentação democrática da comunicação e por sua regulamentação, sofreu duas derrotas gravíssimas: na Câmara, o projeto que flexibiliza, sem fiscalização, portanto, desregulamenta, a veiculação da Voz do Brasil, foi aprovado sob monitoramento da ABERT, e, no Senado, aprovou-se o projeto 116 que transfere o oligopólio da TV paga no Brasil , até agora sob domínio de grupos nacionais, para o controle do capital estrangeiro que domina as empresas de telecomunicações. Ambos com aplausos da esquerda!

 

No primeiro caso, o problema da veiculação do programa Voz do Brasil em horários inadequados para os estados amazônicos com fuso horário poderia ter sido perfeitamente resolvido com uma medida administrativa no âmbito da EBC. Uma portaria, uma orientação, que determinasse a gravação do programa para sua exibição às 19 horas, de acordo com o fuso horário local. Ou seja, não era necessário punir a esmagadora maioria do público ouvinte para atender uma necessidade do público minoritário amazônico, situação que poderia ter sido contornada sem a necessidade de lei que ameaça concretamente o futuro da Voz do Brasil.

 

O verdadeiro objetivo do projeto

Fica evidente, assim, este não era o objetivo, mas sim o de atender aos vorazes apetites dos conglomerados de comunicação privados sedentos por uma hora a mais de baixaria radiofônica e pouco jornalismo, pois, como é sabido, a imensa maioria das emissoras de rádio não cumpre a exigência legal para um mínimo de programação noticiosa, sequer contratam jornalistas para tal.

 

Pois agora, se o projeto vier a ser aprovado como está, o horário das 19 às 20 horas será ocupado pela programação comercial, consumista e alienante das emissoras ligadas à Abert, que monitorou atentamente a aprovação do projeto até agora, inclusive na sua forma à jato no ano de 2010, em ano eleitoral, com o Congresso esvaziado e sem audiências públicas. O resultado pode ser o pior: um programa de rádio que pesquisas qualificadas atestam ser considerado de boa qualidade pelo público, que também manifestou-se esmagadoramente a favor da manutenção do seu horário, poderá vir a ser extinto. Com isto, milhões de brasileiros deixarão de ter no horário de costume informações relevantes sobre as decisões do Executivo, do Judiciário e do Legislativo veiculadas pelo mais antigo programa de rádio do mundo e que é, na verdade, a única forma de se ter acesso a informações sobre os poderes públicos, já que jornais e revistas não chegam aos grotões, nem do campo ou da cidade, nem mesmo ao grande público. Quem vai fiscalizar se seis mil emissoras veicularão a Voz do Brasil? Para a autora do projeto isto não é problema dela, mas do governo. Ela é da base aliada.

 

Desconhecimento?

Mais, desconhecendo a realidade radiofônica brasileira, a autora afirmou que as rádios educativas continuarão a veicular o programa, o que significa jogar o programa no ostracismo, pois estas emissoras são rarefeitas, não alcançam nacionalmente nem 5% da audiência, estão desmanteladas, sem potência e são numericamente pouco expressivas. O programa passaria a ser inaudível! Já em seu horário atual e em cadeia nacional, a Voz do Brasil alcança, em horário adequado, milhões de brasileiros que não possuem outra forma alternativa de informação e sem as distorções conhecidas na mídia comercial.

 

Na semana que passou, por exemplo, foi o programa que melhor e mais amplamente cobriu a Marcha das Margaridas e a presença da presidenta Dilma no evento, informando sobre uma pauta relevantíssima das famílias trabalhadoras com campo junto ao executivo, sendo que o enfoque do rádio comercial, sobre o mesmo episódio, centrou-se exageradamente apenas na substituição do ministro da área. Ora, um ministro passa, mas as 70 mil trabalhadoras do campo, que vieram até Brasília com sua dignidade, seus direitos e suas conquistas, ficam e devem ser atendidas, crescentemente, pelas políticas públicas. E a sociedade tem o direito de ser informada adequadamente sobre esta expansão de direitos sociais. Isto foi feito pela Voz do Brasil, no episódio. Sem ele, como a esmagadora maioria das milhares de emissoras ofereceriam esta informação aos seus ouvintes?

 

Desregulamentação

No caso da TV paga o projeto aprovado, desobriga, desregulamenta, portanto, a veiculação pelas operadoras dos Canais Básicos de Utilização Gratuita, como as TVs Senado e Câmara, TVs Comunitárias, Universitárias e Educativas, que era exatamente o principal aspecto defensável da Lei do Cabo, que também abriu o setor, até 49%, para o capital estrangeiro. Agora, há não somente a entrega de 100% deste setor de tv para o capital estrangeiro, dominado por oligopólios, com a ridícula obrigação de exibir apenas 30 minutos/dia de produção nacional, como se o audiovisual brasileiro não tivesse, historicamente, sido capaz de ter uma Embrafilme, de produzir um Pagador de Promessas e tanto talento admirado mundialmente. Muito mais grave: o projeto foi apoiado pela esquerda que confunde oligopolização com incentivo à concorrência, quando uma coisa é exatamente a anulação da outra, como sabemos.

 

Esquerda esquizofrênica?

O mais grave das duas derrotas está no fato de que podem ser traduzidas em duas investidas contrárias à regulamentação que, ultimamente, tem sido palavra de ordem não apenas nacional, mas internacional do movimento pela democratização da comunicação. Assim, ao invés de lutar para preservar, qualificar e aperfeiçoar o espaço público regulamentado há mais de sete décadas pelo Voz do Brasil - o que é perfeitamente possível, sobretudo com a introdução de novas tecnologias de informação e considerando que o programa é feito ao vivo - a esquerda prefere, esquizofrenicamente, apoiar uma flexibilização, na verdade, uma desregulamentação que coloca em risco a existência do informativo.

 

Ao contrário, não apenas a esquerda, mas todos os setores sociais indignados com a precariedade e a vulgaridade de um jornalismo distorcido e assumidamente de pensamento único - contrariando a Constituição - ao invés de apoiar esta tese tão preciosa para os magnatas de mídia, deveria ,isto sim, lutar para que a Voz do Brasil tivesse sucursais em todo o país, contratasse muito mais equipes de reportagens, tornando-se verdadeiramente nacional e ainda mais permeável à relação das políticas estatais e públicas com a sociedade, num jornalismo imbuído da ética da missão pública, o que inexiste, salvo exceções, no jornalismo empresarial.

 

Enquanto se buscam formas para evitar o pior - um projeto ainda não foi sancionado e o outro ainda vai ao plenário da Câmara - ficamos todos com a difícil tarefa de decifrar o enigma de uma esquerda que prega a regulamentação e a democratização, mas vota pela desregulamentação e a oligopolização, além da desnacionalização.