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Mulheres ainda ganham menos, alerta SINTPq

Mesmo com salário base próximo da paridade, bônus e variáveis ampliam a desigualdade salarial

19/12/2025

Por Suelen Biason

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Fonte: Imagem gerada por IA

Mesmo dois anos após a entrada em vigor da Lei da Igualdade Salarial, a diferença entre o que homens e mulheres recebem segue significativa no país. Segundo o 4º Relatório de Transparência Salarial do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), divulgado em novembro de 2025 e baseado em dados do 2º semestre de 2024 ao 1º semestre de 2025, o cenário de disparidade persiste. No setor de ciência, tecnologia e pesquisa, a situação não é diferente.

O SINTPq analisou dez Relatórios de Transparência Salarial da sua base e identificou que, embora o salário fixo esteja próximo da paridade, a remuneração total, que inclui bônus, adicionais e horas extras, apresenta uma queda expressiva para as mulheres.

Nos relatórios, a análise do salário fixo e da remuneração total mostra que, em média, o salário fixo das mulheres equivale a 99,26% do recebido pelos homens. No entanto, quando se considera a remuneração total, que inclui bônus e variáveis, essa proporção cai para 90,81%, evidenciando que a desigualdade cresce justamente nos componentes que mais impactam o salário final.

Para a diretora do SINTPq, Sheyla Camargos, trabalhadora da base do setor de ciência e tecnologia, os números apenas confirmam uma realidade já vivenciada no cotidiano. Ela aponta que a falta de transparência nas empresas aprofunda essa desigualdade.

“Como não existe transparência nos cargos, salários e no plano de carreira, ficamos apenas com percepções claras de privilégios aos homens. Promoções e aumentos que, para as mulheres, exigem muito mais esforço da gestão do setor, parecem acontecer com mais facilidade para eles”, relata.

Segundo ela, a preferência masculina se manifesta de forma explícita. “As mulheres são maioria, mas as melhores oportunidades acabam ficando com os homens. Isso fica claro tanto em ações quanto em falas da alta gestão”, completa.

Para a advogada Dra. Thaís Cremasco, especialista em Gênero e Direitos Humanos e coordenadora do Núcleo de Violência contra a Mulher da OAB/SP, a Lei nº 14.611/2023 é um instrumento fundamental para combater essas desigualdades. “A lei exige transparência e mecanismos para corrigir diferenças salariais entre mulheres e homens que exercem a mesma função. Igualdade salarial não é apenas justiça trabalhista; é condição para autonomia, dignidade e proteção das mulheres”, afirma.

Algumas empresas apresentam índices ainda mais preocupantes. No CPqD, por exemplo, a remuneração média das mulheres é apenas 83,8% da dos homens, enquanto na Fundag esse número chega a 74,6%. Já em cargos de maior responsabilidade, a diferença salarial se torna ainda mais evidente, dirigentes e gerentes recebem entre 32,1% e 52,5% do salário pago aos homens em funções equivalentes, enquanto profissionais de nível superior variam de 34,7% a 102,2%, dependendo da empresa.

 

O fator da dupla jornada

Os Relatórios de Transparência Salarial exigem que as empresas indiquem os critérios utilizados para justificar as diferenças encontradas entre homens e mulheres. Entre os argumentos apresentados para essa disparidade, estão o plano de cargos e salários, o tempo de experiência, metas de produção e a disponibilidade para horas extras, viagens e reuniões.

No entanto, a análise dos dados indica que este último critério, a disponibilidade, é o ponto mais crítico e costuma penalizar de forma desproporcional as mulheres, uma vez que a dupla jornada de trabalho e as responsabilidades não remuneradas com a família as impedem de trabalhar em igualdade de condições. Essa exigência atinge diretamente a remuneração variável e a progressão de carreira das trabalhadoras, reforçando que fatores sociais e familiares continuam sendo um entrave invisível.

Sheyla destaca que os efeitos dessa desigualdade vão muito além do ambiente profissional.

“Ao longo do tempo, as mulheres acumulam prejuízos financeiros e de qualidade de vida. Muitas são chefes de família e sustentam seus lares. Ganhar menos significa precisar trabalhar mais para gerar renda extra”, afirma.

Ela relata que é comum que mulheres precisem recorrer a atividades paralelas para complementar o orçamento.

“Venda de doces, perfumaria, acessórios… isso vira rotina. É um desgaste enorme para quem já vive dupla ou até tripla jornada. Raramente vemos homens precisando fazer esse tipo de esforço”, pontua.

Para a Dra. Thaís, essas desigualdades afetam todas as áreas da vida das mulheres. “Quem ganha menos tem menos acesso a cargos de liderança, enfrenta barreiras para crescer profissionalmente e assume, em maior proporção, o trabalho de cuidado. A perda da autonomia econômica reduz a capacidade de escolha e de proteção. A disparidade salarial cria dependência financeira e fragiliza a vida das mulheres”, afirma.

Ela ressalta que o problema vai além do ambiente de trabalho. “O agressor frequentemente utiliza a violência econômica como forma de dominação. Tratar a desigualdade salarial como tema secundário é ignorar que o feminicídio é consequência de uma cadeia de desigualdades que começa no mercado de trabalho”, explica.

A ausência de transparência também dificulta a identificação de ações efetivas por parte das empresas. Segundo Sheyla, sem informações claras, não há como avaliar se existem políticas reais para enfrentar a desigualdade. “Sem um plano de carreira definido e sem clareza sobre salários, não há como saber se de fato existem ações para reduzir a disparidade salarial”, afirma.

 

Tabela de Comparação de Remuneração

Empresa

Quantidade de Funcionários

Razão M/H (Mulheres/Homens)

Diferença: Mulheres Ganham (A Menos) Que Homens

FIPT

406

102,2%

2,2% A MAIS

IPT

592

99,5%

0,5%

FUSP

220

97,2%

2,8%

AMAZUL

1.944

94,1%

5,9%

FUNDEPAG

340

93,6%

6,4%

CNPEM

1.183

92,9%

7,1%

CPQD

836

83,8%

16,2%

CTC

584

80,4%

19,6%

ENCORA

720

76,7%

23,3%

Fundag

168

74,6%

25,4%

Média Geral

7.093

88,64%

11,36% A MENOS

(Fonte: Relatórios de Transparência e Igualdade Salarial - 2º Semestre 2025)

O SINTPq defende que apenas divulgar números não é suficiente. O sindicato cobra que as empresas apresentem planos de ação reais, revisem diferenças injustificadas e ampliem oportunidades para mulheres. 

Nas assembleias, o SINTPq leva pautas que impactam diretamente a desigualdade, como licença parental estendida para homens, flexibilização da jornada e incentivo à contratação afirmativa de mulheres negras, mães solo, pessoas com deficiência e trabalhadoras LGBTQIA+.

A igualdade salarial é uma pauta histórica do SINTPq, que seguirá cobrando transparência, responsabilidade e justiça para todas as trabalhadoras da base.