"O veganismo pode ser benéfico para todos e a soberania alimentar é um direito"
No Dia Mundial do Veganismo, o SINTPq entrevista sua diretora Lissa Pesci, que traz relatos e informações sobre essa importante causa
Em 1º de novembro, é celebrado o Dia Mundial do Veganismo, uma ocasião que destaca a crescente importância de um estilo de vida que vai além da alimentação, abordando questões cruciais, como a proteção do meio ambiente, a promoção da saúde pessoal e os direitos dos animais. Embora o veganismo ainda seja motivo de dúvidas para muitos, esta data oferece a oportunidade perfeita para esclarecer equívocos e dissipar mal-entendidos sobre essa escolha.
O SINTPq realizou uma entrevista com a sua diretora Lissa Pesci, que incorpora o veganismo como uma parte fundamental de seu estilo de vida. Além de dirigente sindical, Lissa é desenvolvedora de software no Instituto de Pesquisas Eldorado. Durante a entrevista, ela compartilhou sua história pessoal e trouxe importantes informações em relação ao veganismo. Lissa enfatizou a importância de uma transição gradual para uma dieta vegana e desconstruiu uma série de mitos que envolvem esse estilo de vida.
O interesse pelo veganismo aumentou significativamente a partir de 2014, com um crescimento contínuo, especialmente durante a pandemia. Esse aumento no interesse não se limita ao Brasil, já que os dados do Google Trends mostram um aumento global nas buscas por "vegano" e "vegetariano". Isso reflete uma mudança nos hábitos de consumo, como indicado por um relatório da consultoria Mintel, de junho de 2020, que apontou que 25% dos jovens britânicos da geração Millennial consideraram a dieta vegana mais atraente devido à Covid-19.
Lissa, você poderia nos contar um pouco sobre sua jornada pessoal em relação ao veganismo e como você se envolveu nessa causa?
Desde criança, nunca fui fã de carne. Na minha família, era conhecida como a garota que só gostava de arroz, feijão e ovo. Mesmo assim, em casa, sempre me obrigavam a comer carne, mas eu evitava ao máximo. Quando comecei a namorar a Miriam, que era vegetariana e só comia peixe, minha dieta começou a incluir menos carne.
Mas a real virada que me fez parar de vez com a carne aconteceu quando assisti a uma reportagem no Fantástico sobre um restaurante na Ásia. Eles promoviam o frescor do peixe ao ponto de servi-lo vivo, e a reportagem mostrou todo o processo de retirada do peixe do aquário. Essa experiência me impactou profundamente e foi o momento em que decidi me tornar vegetariana. Na verdade, me tornei ovo-lacto vegetariana. Fiquei alguns anos seguindo essa dieta ovo-lacto vegetariana.
Um dia assisti uma palestra da Sabrina Fernandes, do Tese Onze, que é vegana. Na palestra, ela abordou questões de feminismo e sua conexão com o veganismo, destacando como o capitalismo se baseia na exploração das fêmeas. Isso ocorre porque, se observarmos de perto, todas as fêmeas são forçadas a procriar, têm seus filhos tirados e seu leite explorado. E como esse ciclo é particularmente pesado para as fêmeas do mundo.
Após aquela palestra, minha consciência não permitiu mais que eu consumisse leite e ovos. Eu sabia que era hora de dar o passo final e me tornar uma vegana de verdade, em 2018. Agora, estou prestes a completar cinco anos nessa jornada.
Você pode compartilhar exemplos de mitos comuns que cercam o veganismo e como você acredita que podemos desmistificar essas ideias equivocadas?
Na minha opinião, um grande mito associado aos veganos é a ideia de que não consumimos proteína e que não conseguimos construir massa muscular. No entanto, na prática, esse mito não tem base. Alimentos veganos, como feijões, são fontes ricas de proteínas. Tudo se resume a fazer escolhas alimentares bem equilibradas.
Os veganos podem obter todos os nutrientes necessários, assim como os não veganos. É uma questão de nutrição e de fazer escolhas conscientes. Seria benéfico para todos consultar um nutricionista ou estudar nutrição, pois, muitas vezes, as pessoas não veganas acreditam erroneamente que têm uma alimentação completa, quando, na realidade, isso não é verdade.
O segundo mito sobre o veganismo é que ele é caro. Na realidade, o veganismo não precisa ser caro. O custo pode aumentar quando você opta por produtos veganos industrializados, que são frequentemente mais caros devido ao capitalismo e à comercialização de produtos de nicho. No entanto, a essência do veganismo, o básico, não precisa ser dispendioso. Todo mundo pode se alimentar de maneira acessível com pratos simples, como arroz, feijão, uma salada de tomate e batata frita. O veganismo não precisa ser caro se você evitar áreas com falta de opções alimentares.
Outro mito comum é a ideia de que a comida vegana não tem sabor. Às vezes, ouvimos essa afirmação de que a comida vegana não é tão saborosa. No entanto, a realidade é que costumamos dedicar mais atenção e cuidado aos temperos quando se trata de carne. Ao preparar legumes para acompanhar, muitas vezes eles são simplesmente cozidos na água ou recebem um leve refogado com alho e óleo. Se você encher os legumes de tempero, como faz com a carne, vai ficar muito gostoso também, são sabores diferentes. Certamente, você não vai deixar um legume com gosto de carne. Mas pode ficar muito gostoso.
Muitas pessoas têm dúvidas sobre nutrição e saúde relacionadas ao veganismo. Como você lida com essa questão e que informações importantes você destacaria?
Como eu disse, é preciso haver uma transição para o veganismo. Seria bom aprender um básico sobre nutrição, seja vegano ou não, para você ter realmente uma refeição completa com todos os macros e micronutrientes que o corpo precisa pra sobreviver.
Outro ponto importante a ser destacado é a questão da vitamina B12, que é um desafio tanto para veganos quanto para não veganos nos dias de hoje. Embora na dieta não vegana a B12 seja frequentemente suplementada nos animais para que a carne contenha essa vitamina, os veganos precisam recorrer à suplementação direta de B12.
Todo vegano deve, sim, passar no nutricionista porque os estoques de B12 vão sendo reduzidos. Então, essa é uma coisa muito importante para qualquer pessoa que vá transacionar para o veganismo, aprender o mínimo de nutrição e checar a B12.
No que diz respeito às questões ambientais, como você acredita que o veganismo pode contribuir com essa causa?
Existem estudos que apontam como a criação de gado para a produção de carne envolve alimentar esses animais com ração de soja durante toda a vida e fornecer-lhes água. No entanto, essa mesma soja poderia ser usada para várias culturas agrícolas. Isso ajudaria a reduzir as monoculturas para a produção de ração, economizar água e também diminuir as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção de carne. Embora eu não possa citar estudos específicos agora, essas questões são discutidas e reconhecidas.
Se você ressignificar todas as monoculturas que produzem para alimentar os animais, que vão ser abatidos, já poderíamos dar um grande passo na redução do impacto climático. Além do problema com a criação de gado, a pesca predatória representa uma ameaça para os oceanos, porque a maior parte do plástico no oceano, dos microplásticos, vem de redes de pesca industrial, e essas pescas industriais não pescam apenas peixes.
Outro problema são as fazendas de peixes, em particular a fazenda de salmão. Algumas pessoas estavam achando que a próxima pandemia viria das fazendas de salmão, devido às condições de insalubridade. Nessas fazendas, os animais são mantidos vivendo num espaço muito pequeno. Eles basicamente vivem cercados de dejetos e rações e muitos acabam ficando não saudáveis por esse motivo.
A gente poderia reduzir o impacto ambiental se não fossemos tão predatórios de animais que demoram tanto para se desenvolver. Ciclos de produção mais curtos, onde as plantas geralmente crescem mais rapidamente do que os animais, é a grande causa em que o veganismo acaba ajudando.
Você enfrenta dificuldades por ser vegana em relação às opções de restaurantes e custos alimentares? Como projetar essa questão para o futuro?
Essa é uma excelente pergunta. Eu diria que muitas pessoas gostam muito da ideologia vegana, mas acreditam que seria difícil para elas adotá-la devido à falta de opções em eventos sociais com os amigos. Então, sim, a gente sofre bastante com a falta de opções em restaurantes. Isso pode levar a situações em que os veganos se veem comendo poucas alternativas, como batata frita, enquanto os amigos desfrutam de uma variedade de pratos. Algumas pessoas podem ver os veganos como sendo chatos, que precisam ir só nos lugares que tem opção vegana, não podendo ir em qualquer lugar.
Quanto aos custos, encontrar opções acessíveis em restaurantes requer um pouco de pesquisa. Como mencionei, as alternativas industrializadas de alimentos veganos podem ser caras. No entanto, na maioria dos restaurantes que oferecem refeições por quilo, é possível encontrar opções veganas, como arroz, feijão e salada, que geralmente são mais acessíveis. Em Campinas, por exemplo, os veganos estão bem servidos de opções veganas, tem todo tipo de opção vegana para tudo quanto é lado, o que é muito bom para mim.
Quanto ao futuro, acredito que, embora o veganismo seja atualmente considerado um nicho, muitas pessoas estão reconhecendo as questões que mencionei, como a preocupação ambiental, a não exploração das fêmeas e o avanço da tecnologia que nos permite evitar o sofrimento animal. Acredito que o veganismo continuará a crescer e a se popularizar. No entanto, é possível que ele nunca deixe de ser uma opção de nicho, já que sempre haverá pessoas que optaram por não adotar esse estilo de vida. A chave é promover a ideia de que o veganismo pode ser acessível e benéfico para todos, e que a soberania alimentar é um direito de todos.
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